domingo, 22 de fevereiro de 2009

TÉCNICAS: ÓLEO

Apostila sobre a técnica óleo.
Nessa apostila falamos sobre o uso da técnica e suas particularidades, dando várias dicas sobre o modo de pintar e o material a ser usado. (imagem: La gran Via, de Antonio López)

ORIGEM
Como vimos na apostila anterior, a tinta a óleo deriva das têmperas também a óleo. Há registros de seu uso na Itália que datam dos séculos X e XI. Na Inglaterra foram encontrados documentos que mostram a utilização dessa técnica desde o século XIII. Mesmo tendo sido utilizada desde a Idade Média, ela só deixou de ter uso para fins decorativos nas mãos dos irmãos Van Eick, mestres da pintura flamenga. Assim, data do Renascimento - momento em que o homem passava a investigar e representar o espaço plástico no qual estava imerso – a utilização da técnica a óleo destinada a fins artísticos, que acabou sendo amplamente difundida no ocidente.

CARACTERÍSTICAS VISUAIS DO ÓLEO E VANTAGENS DA TÉCNICA
Nas pinturas realizadas com os denominados óleos secativos, os tons mais escuros são bastante profundos e as transparências dadas pelas velaturas mostram-se muito mais eficazes e translúcidas do que as conseguidas com as têmperas. Isso acontece porquê o óleo possui um índice de refração alto e os aglutinantes das têmperas não. Vimos que o pigmento da têmpera seca e reflete a luz em todas as direções. Já o pigmento da tinta a óleo está mergulhado em um ambiente de densidade diferente – o óleo – que não seca, mas oxida, e reflete a luz de uma forma diversa, já que possui um índice de refração[1] mais alto.
O óleo possibilita também a combinação de efeitos transparentes e opacos dados por uma mesma técnica, além de permitir os grandes empastamentos, podendo o artista utilizar massas consideráveis de tinta. Especialmente quando a tinta a óleo é misturada ao carbonato de cálcio ou à cera (que funcionam como carga), podem ser obtidas diversas densidades na tinta, o que facilita e dá mais opções de texturas ao pintor no momento em que aplica a técnica.
Na técnica a óleo não ocorre uma drástica mudança na cor da tinta quando esta seca, como acontece nas têmperas. A cor aplicada é, geralmente, a cor resultante ao final do processo de pintura e secagem. As cores a óleo permanecem brilhantes e ricas em tons e profundidade.
Os acabamentos podem ser realizados de forma lenta e cuidadosa, pois a tinta não tem a secagem rápida. Além disso, após a secagem, o artista pode voltar a interferir na pintura durante muito tempo depois que esta tenha sido iniciada.
As tintas podem sofrer interplanação: ao contrário das têmperas, que devem ser aplicadas em camadas superpostas, a tinta a óleo pode ser fundida com a imediatamente vizinha, ainda molhada e no próprio suporte, promovendo passagens suaves e imediatas de um tom a outro.
As tintas a óleo eliminaram a preparação diária do material do artista, que passou a armazená-las em saquinhos de couro ou bucho, que quando furados vertiam a quantidade necessária para o uso.
Mais tarde surgiram os tubos de metal com pistões que empurravam a tinta, que logo foram industrializados e substituídos pelos atuais tubinhos de metal tampados.
Com a industrialização o material de pintura a óleo tornou-se padronizado e de boa qualidade, já que a técnica tornou-se muito difundida.
É importante observar que a industrialização da tinta possibilitou importantes mudanças no modo de pintar, impulsionando a pintura de campo, fundamental para a pesquisa do movimento Impressionista.
As películas da pintura a óleo são elásticas e acompanham bem o trabalho dos suportes, que podem ser maleáveis, como telas de linho ou algodão, o que facilita o transporte das pinturas e seu armazenamento em rolos.
Essa característica também proporcionou importantes mudanças, pois as pinturas passaram a ter valor de troca e a serem tratadas como mercadorias. Além disso, elas puderam ser transportadas a longas distâncias, possibilitando o intercâmbio e difusão de idéias e estéticas entre diferentes escolas. É bom lembrar que antes de seu advento, para um artista ter acesso a uma pintura em afresco, mural ou retábulo, ele deveria ir até onde esta se encontrava.

O VEÍCULO
Os óleos secativos derivam comumente das sementes de linho. Outros óleos já muito utilizados são o óleo de papoula e o óleo de nozes. No entanto, a linhaça pode ser cultivada em qualquer lugar onde haja clima temperado ou frio e, por isso, seu uso tornou-se bastante popular. Além disso, o óleo de linhaça tem a elasticidade melhor que a conferida pelo óleo de papoula, embora este último seja mais claro, propriedade que não é tão significativa se comparada ao óleo de linhaça, a não ser na moagem de pigmentos claros, como o branco. Além disso, o óleo de papoula demora mais que o óleo de linhaça para oxidar-se.
O óleo de linhaça cru é retirado das sementes do linho e, ao contrário do óleo de nozes, não se torna rançoso com o tempo.
Hoje o óleo de linhaça é extraído através de prensagem das sementes em vapor a alta temperatura e alta pressão, o que prejudica um pouco sua composição e pureza. O óleo de linhaça ideal é aquele prensado a frio, em escala não industrial, já que o processo o torna mais claro e límpido.
Para a utilização em velaturas - e não na moagem de pigmentos para a confecção da própria tinta, já que é muito viscoso e possui acidez reduzida - o artista tem como opção também o óleo stand[2] (óleo de linhaça polimerizado), cuja estabilidade e pureza são superiores às do óleo de linhaça cru. Suas moléculas são mais densas e maiores, tornando o óleo menos suscetível ao escurecimento com o passar do tempo. Nesse caso o pintor pode utilizá-lo diluído com o solvente, no lugar do óleo cru, procedimento aconselhável segundo autores como Motta e Mayer.

A SECAGEM DO ÓLEO E SUAS PARTICULARIDADES
Depois de aplicado, o óleo seca, ou melhor, enrijece por oxidação, formando-se uma camada vítrea que não se desmancha ou volta às propriedades físicas e químicas originais de maneira nenhuma. Muitas vezes, especialmente quando se aplica a tinta de forma espessa, a camada superficial da pintura, chamada nesse caso lenoxina, seca e as demais camadas só são oxidadas após muito tempo, permanecendo com propriedades elásticas e maleáveis.
Depois de muitos anos oxidando-se, as camadas de óleo tornam-se rígidas e vitrificam a ponto de não mais conseguirem suportar o trabalho dos suportes, ocorrendo, então, o craquelê. As camadas pictóricas também podem sofrer transparentização. Há pinturas em que podemos notar “arrependimentos”, ou seja, esboços e áreas pintadas por cima de outras que o artista acabou abandonando durante o processo de pintura. Essas áreas ficam à mostra e insinuadas quando esse efeito se dá em uma ou outra parte da pintura.
Para minimizar a desvantagem do craquelamento, o artista deverá sempre obedecer às leis de ancoragem, aplicando camadas gordas (com mais óleo) sobre camadas magras (com menos óleo). É interessante observar que depois de oxidada, a película de óleo fornece ao pigmento ação preventiva contra ácidos e gases sulfurosos, encontrados na atmosfera dos centros urbanos.

SOLVENTES
O solvente destinado à pintura a óleo mais antigo de que se tem notícia é a terebentina. Ela é extraída de coníferas através de um processo de destilação. Por ser muito volátil, ela pode ser usada em consonância com o óleo para a aplicação das velaturas, em um molho que equilibra o óleo e o solvente em proporções diversas, dependendo da intenção do artista, observandas as leis de ancoragem.
Hoje temos solventes menos tóxicos no mercado, como o Ecosolv, da Acrilex (um solvente que funciona como a terebentina: é volátil, dilui-se bem no óleo de linhaça e é praticamente inodoro). A terebentina tem cheiro muito forte e muitas pessoas são alérgicas a ela.

IMPORTANTE: a difusão dos vernizes – especialmente entre os artistas do século XIX – fez com que alguns os utilizassem na hora de fazerem suas velaturas. No entanto, o que se tem observado é que, ao contrário do óleo de linhaça, os vernizes - como o verniz de damar - escurecem com a luz natural, tornando as camadas e áreas onde foram aplicados amareladas e escuras, prejudicando, desse modo, a leitura da obra e sua estética. Sendo assim, é definitivamente desaconselhável a utilização de vernizes e resinas na composição e velaturas com tintas a óleo. O ideal é utilizar o óleo de linhaça stand, já que este tem a magnífica propriedade de ser clarificado quando exposto à luz solar. Pintores como Rembrandt e Rubens não utilizaram vernizes em suas pinturas, que permanecem com cores vívidas e claras.
Ainda hoje, muitos artistas ainda pensam que o verniz como cobertura final é um acabamento obrigatório para as pinturas a óleo. Alguns estudiosos acreditam não ser necessário, pois, como vimos anteriormente, o óleo de linhaça protege o pigmento e a cobertura.
Devemos observar, porém, que hoje existem vernizes e reisinas bastante estáveis e de boas marcas para acabamento e cobertura final de pinturas a óleo (Ex. Paraloid B67 – resina acrílica). No entanto os restauradores advertem que mesmo o uso dessas substâncias está em constante revisão, já que são compostos novos e não testados suficientemente.

SUPORTE
A tinta a óleo, devido à sua relativa flexibilidade, pode ser aplicada tanto sobre suportes rígidos quanto sobre suportes maleáveis, como as telas. Muitos artistas utilizam-se de telas feitas com lona de algodão, sendo o tecido mais nobre e tradicional o próprio linho, cuja trama é estável e as fibras menos elásticas, possibilitando um trabalho menor do material.
No entanto, verificou-se que com o passar do tempo o linho tem suas fibras mais danificadas que o próprio algodão, já que possui naturalmente em sua composição um pouco do óleo de linhaça que, por sua vez, acaba oxidando-as e com isso arruína a celulose.
É recomendável que o próprio artista fabrique suas telas, pois as industrializadas passam por processos diversos, dentre os quais há adição do próprio óleo de linhaça ao preparo dos fundos. O óleo, além de outras substâncias que conferem certa plastificação ao tecido, é utilizado na fabricação de telas por torná-las maleáveis e mais fáceis de se transportar e produzir em série. Além disso, por o fundo preparado industrialmente ter a absorção não apropriada, a camada da pintura em si tenderá a deslocar-se por cima da camada de fundo, se estragando.
A preparação de um bom fundo para pinturas a óleo pode ser feita hoje com materiais industrializados como a cola vinílica (PVA) misturada a tintas acrílicas, que tornam o tecido absorvente e fosco, como a tinta de base acrílica, para pintura de parede (Metalatex, Suvinil) branca. A cola vinílica na preparação de telas substitui a gelatina de origem animal e funciona tão bem quanto ela. Caso o artista deseje um fundo colorido, o aconselhável é fazer um preparado com mais cola, tinta de base acrílica e o pigmento, aplicando uma segunda cobertura.

PREPARANDO O FUNDO
Para suporte rígido
Lixar bem, encolar o tecido sobre o suporte com gelatina incolor* e depois passar Tinta Metalatex branco (fosco) com um pouco de óxido de zinco (que atua também como fungicida e torna o fundo mais absorvente).
Para obter um fundo menos absorvente, colocar um pouco de cola junto ao preparo da Metalatex
(*) pode ser substituída por cola branca PVC em solução aquosa.
Colorindo o fundo: misturar o pigmento desejado a um pouco de cola à Metalatex (branco fosco)
Para tela esticada em chassi ou estendida sobre madeira
Passar a tinta de base acrílica (Metalatex, Suvinil) misturada à um pouco de cola PVC e ao óxido de zinco, buscando uma consistência adequada.
Para obter um fundo mais absorvente, diminuir a quantidade de cola

Colorindo o fundo: misturar o pigmento desejado a um pouco de cola à Metalatex (branco fosco)

OBSERVAÇÃO
Caso o artista queira encolar a tela com gelatina, poderá fazê-lo no chassi e no suporte rígido, aplicando o preparado de gelatina antes do fundo indicado. Esse preparado substitui a cola PVC, que não deverá ser utilizada no processo de cobertura do tecido pelo fundo branco.
> Cobertura de gelatina > 100gr de gelatina incolor comestível dissolvida em 1 litro d’água (diluir em água quente (não fervente) e aplicar com trincha esfregando bastante. Colocar fungicida na mistura.
>> por MarthaWerneck - 2007

BIBLIOGRAFIA
MAYER, Ralph. Manual do Artista. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
MOTTA, Edson. Iniciação à Pintura por Edson Motta e Maria Luiza Guimarães Salgado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1976
NERY, Aurélio Cardoso. Cozinha da Pintura. Apostila de setembro de 1994.
Anotações pessoais da autora
Internet: links especificados no decorrer do texto.

[1] A mudança de refração é um fenômeno que ocorre quando a luz passa de um meio a outro. Há mudanças em sua velocidade, comprimento de onda e em sua direção de propagação. Na refração a única grandeza física que se mantém é a freqüência.
[2] óleo de linhaça polimerizado ou óleo stand: estado condensado ou polimerizado do óleo de linhaça ("stand oil" ou "polymerized oil"). Para tornar-se um stand oil, o óleo de linhaça passa por um processo onde sofre aquecimento do óleo a 280-310 ºC ao abrigo do ar, o que favorece a polimerização sem provocar o aparecimento das cetonas insaturadas. Durante o processo de secagem absorve menos oxigénio do que o óleo natural. A menor quantidade de oxigênio que fica a fazer parte da estrutura polimérica deve ser responsável pela maior longevidade do filme formado. Durante a secagem, o aumento de volume é menor, o que diminui a tendência a estalar e se rachar. (http://ciarte.no.sapo.pt/material/ligantes/oleo.htm)

4 comentários:

Leonardo Climaco disse...

Parabens pelo exelente post!

Maria José Bronze disse...

Muito obrigado. É um excelente trabalho, ajuda muito quem anda a aprender e outros.

pat disse...

Muito bom o texto! Parabéns.

janete jane disse...

Parabens Aurelio pelo seu te sobre pintura vc e o cara e um prazer te conhecer fique com DEUSxto