domingo, 22 de fevereiro de 2009

Teoria da Cor - Fundamentos Básicos (Parte 3 de 3) por Lícius Bossolan



Essa apostila vai ser apresentada em 3 diferentes postagens.
Segue índice dessa terceira parte:
3. IMAGENS ATRAVÉS DAS CORES: RELAÇÕES CROMÁTICAS
3.1 Relação através das tonalidades
3.2 Relação através das cores Primárias-Secundárias
3.3 Relação através das cores Quentes e Frias
3.4 Relação através das cores Complementares
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA (do trabalho completo)

3. IMAGENS ATRAVÉS DAS CORES: RELAÇÕES CROMÁTICAS
Como vimos anteriormente, as cores presentes numa imagem se estabelecem através de relações. Desta forma, ler ou construir uma imagem significa também estar atento para a relação cromática existente no plano desta imagem. Por mais que o processo de construção da imagem seja intuitivo, devemos ter consciência das relações colorísticas para a efetivação de melhores resultados.

Segundo a pesquisadora Fayga Ostrower:
O vermelho, o verde, ou qualquer outra cor, pode vir a ter significados múltiplos e até bem diversos, uma vez que a expressividade da cor dependerá das funções que desempenhe. Quando entra em combinação com outras cores (quer seja com tonalidades da mesma gama ou até com um fundo branco), cada cor recebe, dessa combinação, determinadas funções espaciais, sendo redefinida a cada nova relação. Quer dizer, de acordo com as relações colorísticas, a mesma cor pode definir o espaço de maneiras diferentes.
Podemos identificar algumas relações colorísticas fundamentais dentro do fazer pictórico. O conhecimento destas relações é essencial para a elaboração de uma imagem coerente com o conteúdo e expressividade almejados.

3.1 Relação através das tonalidades
Quando observamos uma imagem que apresenta – dentre tantos tons – tons próximos e pertencentes a uma família da mesma cor, fica estabelecida uma relação de tonalidades.
Esta relação cromática sustenta importantes pontos de interesse para nossa percepção sobre um determinado espaço compositivo. Na gradação tonal, mesmo que em uma ordem diversa, os pólos terminais atraem a nossa atenção através de contrastes. No entanto, os tons intermediários entre estes dois pólos terminais estabelecem um movimento visual e funcionam como ponte, atuando como passagem e ditando uma dinâmica. Este movimento é conduzido pelo ritmo da cor. Desta forma, o ritmo é ‘lento’ quando os tons estabelecem uma relação de contraste acentuado, possuindo valores de claro e escuro bem distintos, e ‘rápido’ quando os tons estabelecem uma passagem por analogia, ou seja, através de valores intermediários, chamados áreas de transição.

Outro aspecto importante neste tipo de relação cromática é o surgimento de figura e fundo através do contraste cromático. Como o movimento visual sempre se encaminha em direção às áreas de contrastes para lá pausarem, as áreas de transição se unem e estabelecem uma área de fundo, sendo que nas áreas contrastadas a tendência é surgir a figura.
Temos que ter em mente que os ritmos cromáticos estabelecidos pelos tons têm caráter linear, ou seja, funcionam como linhas pelo fato de induzirem o movimento dos olhos, estabelecendo direções.

Por último, o outro aspecto existente nas relações tonais é a propriedade dos tons saturados funcionarem como elementos destacados, avançando no espaço, enquanto os dessaturados propiciam uma sensação de recuo. No entanto devemos observar que cada relação é diferente e estas propriedades são relativas. Como no elemento luz, esta relação tonal também estabelece um movimento oscilatório. Desta forma:
Através de relações tonais surge (...) um tipo de movimento linear-oscilatório, que organiza a forma no espaço.[1]

O auto-retrato de Rembrandt, circa 1629 – possui de forma acentuada a relação cromática através das tonalidades. Como toda composição construída pela palheta reduzida baseada nos terras[2], este retrato do holandês Rembrandt possui cores terciárias análogas – variações quentes de marrons, laranjas e ocres que podem ser compreendidas de forma simplista como pertencentes a ‘uma única família de cor’. Caixa de texto: Este tipo de palheta possibilita a ênfase do contraste de valores para evidenciar o claro-escuro, ditando os ritmos entre os pólos tonais presentes no retrato.

Desta forma, o retratado surge exatamente por este contraste e, onde há tons próximos – os ocres na área da face em luz ou os laranjas no fundo, por exemplo – há a passagem do olhar de forma dinâmica e sem retenção, conduzido por uma ‘direção linear’. Este resultado se diferencia da relação tonal existente entre tons escuros e mais claros. Os de valores escuros recuam para o fundo e os de valores mais claros se aproximam da superfície da tela, criando uma oscilação entre planos.

3.2 Relação através das cores Primárias-Secundárias
Enquanto a relação cromática através das tonalidades ocorre ‘dentro’ de uma ‘única cor’ (a cor dominante e suas famílias de tons), a relação das cores primárias-secundárias, bem como as demais seguintes, ocorre entre as diferentes cores.
As três cores primárias possuem a propriedade de atrair o olhar em primeiro lugar, pois não apresentam valor cromático em comum. Em termos espaciais, atuam como “superfícies independentes e densas (pela carga de cor), coexistindo no mesmo plano espacial uma ao lado da outra”[3].

Segundo Fayga Ostrower, as três primárias atuam como agentes de movimentos em uma superfície, ou seja, “caracterizando o espaço como sendo bidimencional”[4]. Desta forma, se observamos as três primárias numa imagem, elas agem como se estivessem no mesmo plano.
As cores secundárias possuem peso visual semelhante, mas menos intenso. Isto ocorre porque a percepção humana distingue prontamente as secundárias (laranja, verde e violeta), e as compreende como cores subordinadas às primárias.

Como exemplo tomaremos o quadro Portrait of the Postman Joseph Roulin (1888) da autoria de Van Gogh, onde um vermelho intenso é aplicado ao lado de tons de azul. A relação cromática produzida apresentará dois movimentos perceptivos: o vermelho ao lado do azul reafirma o caráter de planaridade na pintura e provocará o agrupamento dos tons azuis, formando uma família, em contraposição com o tom vermelho. A tensão será mais forte com os tons azuis saturados, fazendo ser mais perceptivo a variação de intensidade dos valores tonais (entre os pólos claro e escuro) dos azuis.
Podemos observar que os vermelhos saturados nas mãos e no rosto do carteiro fazem uma tensão com os azuis saturados e une os tons azulados numa grande família, subordinada a esta tensão. De forma equivalente, os tons de amarelo presentes na composição agem da mesma maneira.
Já a relação primárias-secundárias atua como ponte quando uma secundária fica entre as duas primárias que a constituem, ajudando a passagem do olhar de uma para outra. Este fenômeno pode ser observado no quadro The Night Café in the Place Lamartine in Arles (1888), também de Van Gogh. Nesta tela podemos observar como o laranja atua unindo as áreas avermelhadas e amareladas, funcionando como uma ponte. Desta forma, os tons de laranja mais avermelhados atuam como extensão do vermelho, expandindo-o, e, da mesma forma, o laranja amarelado aproxima-se do amarelo como sua extensão.

Para concluir, temos:
Vizinhas de cores primárias (pois delas contêm um ingrediente cromático), estendendo-as visualmente, as secundárias servem como passagem a outras gamas de cor. O mesmo princípio pode explicar a função de cores terciárias, que por sua vez, representam extensões para áreas mais afastadas da cor[5].
Assim, com relação às terciárias, por exemplo, um marrom avermelhado se aproxima do vermelho, e um ocre se aproxima do amarelo.

Se aplicarmos a lógica da relação primárias-secundárias às cores preto e branca – que aqui consideramos terciárias – obteremos o seguinte resultado: como são cores neutras, elas se aproximam das primárias e secundárias de acordo com o valor tonal, ou seja, de acordo com a intensidade luminosa de cada cor. Desta forma, o preto só funciona como ponte ou elemento interligante com os tons azuis (primária) ou dos roxos (secundária) por serem os matizes mais escuros do círculo cromático. Da mesma forma, o branco só se aproxima dos amarelos, valores cromáticos mais claros[6].

3.3 Relação através das cores Quentes e Frias
Como vimos anteriormente, as cores frias, quando aplicadas em um plano, possuem a propriedade de distanciar e as cores quentes de aproximar. Desta forma, de acordo com a temperatura, as relações cromáticas são descritas da seguinte forma:

As cores quentes e frias articulam posições contrastantes que ocorrem simultâneamente no espaço: as cores quentes avançam, expandindo-se enquanto que as cores frias recuam, retraindo-se. (...) Através desta relação cromática, o espaço é caracterizado como sendo um espaço de profundidade, sensual e altamente dinâmico, constituído de vibrações rítmicas no simultâneo avanço e recuo das cores.

A divisão em dois grupos opostos, FRIO (azul) e QUENTE (vermelho e amarelo), irá determinar a função espacial de todas as cores. Referindo-se às cores primárias – azul, vermelho e amarelo – todas as demais gamas serão vistas ora como frias ora como quentes, avançando ou recuando no espaço. Tomemos, por exemplo, as cores secundárias: o verde será sempre mais quente ao lado de um azul (pelo componente amarelo que tem) e mais frio ao lado de um amarelo (pelo componente azul). O roxo ou violeta será mais quente do que um azul (pelo componente vermelho) e mais frio do que o vermelho (pelo componente azul). Com o laranja o caso é diferente. Composto de duas cores quentes – vermelho e amarelo – o laranja será mais quente do que ambas. Passando agora às cores terciárias: os marrons, ocres, cinzentos e mesmo os pretos serão vistos como frios ou quentes de acordo com a gama que sugerem: azulados, avermelhados, amarelados, esverdeados, alaranjados, arroxeados[7].

No quadro de Cézanne Mont Sainte-Victoire (1900) – um dos mais de 120 quadros pintados através de sua famosa obsessão pela montanha – ilustra a sensação de avanço e recuo no espaço através da utilização das cores quentes ou frias. Note como a profundidade do espaço é fornecida por esta relação cromática e como planos da montanha e da vegetação se aproximam ou recuam através da aplicação dos ocres (quentes) ou dos tons violáceos (frios).


3.4 Relação através das cores Complementares
A relação cromática através das cores complementares é tão importante para a nossa percepção que podemos verifica-la em parte significativa dos quadros e imagens produzidos, independentemente da época, estilo ou cultura.
O termo “cor complementar” deriva do seguinte fato: sabemos que a luz é decomposta em seis cores, sendo, portanto, obtida pela união destas seis. Mas para obter a luz branca, não precisamos somar estas seis, podemos obtê-la apenas com a soma das três primárias, visto que as outras três são secundárias e compostas por cada par de primária. Por tanto, poderíamos obter a luz branca apenas com uma primária e uma secundária composta pelas outras duas primárias, ou seja, a secundária complementar. Assim, podemos formar três grupos de complementares:

AZUL CIAN > complementar LARANJA (magenta / carmim + amarelo primário)
MAGENTA / CARMIM > complementar VERDE (amarelo primário + azul cian)
AMARELO PRIMÁRIO > complementar VIOLETA (azul cian + magenta / carmim)

A percepção dos grupos complementares é natural na visão humana. Quando olhamos para um objeto de uma determinada cor saturada, com uma vibração cromática muito intensa – amarelo, por exemplo – durante um período de tempo longo, a nossa retina fica “saturada” e, para se “defender” daquela informação constante, passa a criar e sobrepor uma cor inexistente que pode ser visualizada fechando o olho. Esta cor é exatamente a sua complementar – no exemplo dado, o violeta.
Esta percepção natural induz o agrupamento visual das cores complementares, ou seja, passa a existir a atração mútua entre os pares complementares. Esta identificação e dependência entre as complementares produzem dois efeitos espaciais: tensão e fusão espacial. A autora Ostrower nos diz:
Quando os componentes se encontram fisicamente separados, digamos, quando num quadro algumas pinceladas de vermelho são colocadas num canto do plano pictórico e pinceladas verdes num outro, sentimos que da atração mútua resulta uma forte tensão através de intervalos espaciais, como se as cores quisessem aproximar-se fisicamente. Quando os componentes são vistos juntos na mesma área, quer vizinhos, quer um dentro do campo do outro, o resultado é uma fusão espacial. O grupo complementar parece fechar-se numa única unidade[8].

De fato, as complementares criam uma identidade, mas gostaria de fazer uma ressalva a respeito destas considerações de Fayga Ostrower. De certa forma, as complementares produzem um delicado equilíbrio entre movimentos de atração e repulsão. Elas se identificam, se unem. No entanto, a tensão gerada por elas faz uma ‘gritar’ mais do que a outra, ou seja, se elas se unem em um primeiro momento por identificação, em um segundo momento elas disputam a atenção do espectador, ou seja, elas possuem um ligeiro movimento de repulsão, fazendo oscilar a relação entre as complementares, ora se atraindo, ora se repelindo. Seja como for, o fato das complementares estarem juntas ou distanciadas produz a relação espacial mencionada por Ostrower em menor ou maior grau de acordo com o caso, ou seja, prevalece a tensão quando distantes, prevalece a fusão quando juntas[9].

No quadro – Shop Suey (1929) do pintor norte-americano Edward Hopper – podemos sentir a identificação entre as cores complementares vermelho e verde presentes na composição. O chapéu vermelho da mulher situada no lado esquerdo da composição e o letreiro “Suey” avermelhado atraem-se pelo tom complementar verde da blusa de uma das figuras centrais, originando uma tensão e competição pela atenção do espectador. No entanto, enquanto o vermelho pontual esquerdo – distante – cria um intervalo espacial com a blusa verde, acentuando a tensão, este mesmo tom verde se funde com a vibração vermelha existente no letreiro e no espaço avermelhado entre eles, formando uma área única de interesse.
Este mesmo fenômeno de agrupamento das cores complementares pode ser observado em jogo cromático equivalente existente no quadro Bad Boy (1981) de Eric Fischl. Neste quadro, Fischl se utilizou das complementares verde e vermelho para criar uma fusão espacial no cenário – bem como uma tensão. Os tons verdes da parede e os vermelhos da persiana parecem possuir uma dualidade oscilatória de união e repulsão. No entanto, observe como as maçãs vermelhas criam uma distância espacial com o tom verde (a mesma solução encontrada por Hopper no quadro anterior para o chapéu vermelho), prevalecendo a relação de tensão e formando um “intervalo espacial”.

Podemos concluir que as complementares produzem um movimento oscilatório de atração-repulsão através de contrastes, podendo variar ente efeito de acordo com a distância entre eles e o nível de saturação. Formalmente, os pares complementares produzem um efeito vital para a construção das obras de arte, ou seja, a “complementaridade representa o contraste mais forte da cor, baseando-se numa oposição de valores cromáticos, uma vez que os componentes do grupo provêm de gamas afastadas entre si”[10].
Como vimos anteriormente, as complementares sempre foram utilizadas, de forma consciente ou não. No entanto, sua utilização se modificou dentro da história da arte ocidental. Apenas para ilustrar dois casos bem distintos, podemos verificar diferenças fundamentais no emprego das complementares entre pinturas do Renascimento e do movimento Impressionista.

No Renascimento, de forma genérica, muitos pintores se utilizavam de pelo menos um par de complementares nas suas composições. No entanto, as cores complementares eram moduladas tonalmente através da diferenciação de tons quentes e frios, criando áreas de diferentes interesses. Desta forma, além da relação colorística através da complementariedade, havia a dependência da variação de sua temperatura.
Para exemplificar este caso podemos observar o violento choque de verdes e vermelhos no quadro Madona e Criança (1505) de Rafael Sanzio. Nesta imagem podemos constatar como o verde presente no campo do fundo e o vermelho na indumentária da Madona são ‘esquentados’ ou ‘esfriados’ para criar variações dentro desta relação. Assim, nas áreas mais importantes da composição, as complementares são aplicadas diretamente fechadas, ou seja, saturadas, para aumentar a tensão cromática.

Os impressionistas aplicaram de forma totalmente diversa esta relação direcionando a utilização de cores complementares para a fusão das mesmas. Temos que ter em mente que os impressionistas evitavam misturar as cores na palheta quando queriam ‘modular o volume dos objetos’. Como a lógica não é mais conferir ‘volume’ através do claro-oscuro, mas sim conferir profundidade através da exploração sensorial da luminosidade atmosférica, os impressionistas aplicavam as cores, justapondo-as puras na tela – só primárias e secundárias, evitando as terciárias – para serem vistas à distância, explorando justamente a vibração cromática. Desta forma, os pares complementares foram utilizados no sentido de fusão.

No quadro de Monet A ponte japonesa (1918-24) podemos observar como o par de complementares verde-vermelho é justaposto, criando a fusão das pinceladas para diferenciar as massas tonais que conferem luminosidade à composição.

A relação entre cores complementares pode ser indireta, ou seja, pode acontecer através da relação de tons próximos das complementares. Desta forma, se tivermos um par de tons parecidos e afins com um par de cores complementares, teremos o aumento do intervalo espacial através desta extensão colorística. Tanto o efeito de fusão quanto o de tensão são atenuados, mas o contraste entre as tênues vibrações complementares ainda existem. Podemos exemplificar este efeito se tivermos uma área ocre ao lado de um cinza. O ocre funciona como amarelo e o cinza, tom frio, como um violeta, acentuando o intervalo cromático entre os dois pólos.
Este efeito de tensão distanciado entre violeta e amarelo pode ser observado neste quadro do pintor inglês Lucian Freund intitulado de Naked Girl Asleep II (1968). Podemos perceber como os tons esverdeados-oliva tem uma relação de complementariedade indireta com as áreas violáceas da carnação na sombra. Nesta relação, a vibração ocre (afim do amarelo) se identifica com a carne violeta, aumentando o intervalo espacial através da extensão cromática que remete ao par amarelo-violeta. O mesmo efeito pode ser observado na tensão entre o verde-oliva e os tons alaranjados avermelhados, sendo estes uma extensão da relação complementar entre verde e vermelho.

Com relação às cores complementares no sistema cor-pigmento, devemos atentar para um fato de grande importância para o fazer pictórico. O efeito atingido pela justaposição ‘lado-a-lado’ do par de complementares é totalmente diferente com o obtido pela mistura na tinta de duas complementares. Enquanto no primeiro caso a complementaridade remete à relação tensão-fusão mencionada, no segundo caso a síntese subtrativa resultante da mistura dos pigmentos complementares leva à sua anulação, ou seja, produz uma ‘laminha’ acinzentada de vibração totalmente acromática. O pintor pode se utilizar deste princípio para escurecer uma cor, no lugar de recorrer ao emprego do negro, o que ‘mata’ a vibração da cor.
De forma resumida, as relações cromáticas produzem o seguinte efeito na articulação do espaço:

TIPO DE RELAÇÃO - CARACTERIZAÇÃO DO ESPAÇO
Tonalidades Linear – Oscilação
Cores primárias-secundárias Superfície
Cores quentes-frias Profundidade – Vibração simultânea
Cores complementares Tensão espacial – Fusão



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual (Uma Psicologia da Visão Criadora). São Paulo: Livraria Pioneira, 1991.
MAYER, Ralph – Manual do Artista de Técnicas e Materiais. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
OSTROWER, Fayga – Universos da Arte. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1991.

Sites
DUPRAT, Marcelo
http://www.marceloduprat.net/

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
OSTROWER, Fayga – A Sensibilidade do Intelecto. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1998.
KANDINSKY, Wassily – Ponto e Linha sobre Plano. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
KLEE, Paul – Theorie de l'art Moderne. Genéve: Gonthier, 1971. ou KLEE, Paul – Teoria del arte moderno. Buenos Aires: Ediciones Caldén, s/d.


[1] OSTROWER, Fayga. Op. Cit., p. 238.
[2] Nesta palheta, o terra-de-siena funciona como magenta / carmim, o ocre como amarelo e o cinza como azul. O preto e branco estabelecem a relação tonal através das cores acromáticas. O laranja é obtido pela mistura do ocre com o terra-de-siena, o verde pela mistura do preto com o ocre.
[3] Idem, p. 240.
[4] Ibidem.
[5] Idem, p. 241.
[6] Ibidem.
[7] OSTROWER, Fayga. Op. Cit., p. 243-244.
[8] Idem, p. 248-249.
[9] Para as análises que se seguem escolhi o par de complementares vermelho-verde apenas para facilitar as comparações. Portanto, as considerações aqui discutidas, podem ser aplicadas para os outros dois pares de complementares.
[10] Idem, p. 249.

Teoria da Cor - Fundamentos Básicos (Parte 2 de 3) por Lícius Bossolan



Essa apostila vai ser apresentada em 3 diferentes postagens.
Segue índice dessa segunda parte:
2. COR E O CÍRCULO CROMÁTICO
2.1 Dimensões da cor: tom, saturação, valor tonal (luminosidade) e temperatura
2.2 Círculo cromático: matizes e cores análogas
2.3 Escala tonal e Escala cromática
2.4 Balão Cromático
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA (na última postagem)


2. COR E O CÍRCULO CROMÁTICO

2.1 Dimensões da cor: tom, saturação, valor tonal (luminosidade) e temperatura
Toda e qualquer sensação cromática pode ser definida através de quatro características específicas que constituem a totalidade da informação luminosa correspondente à cor: tom, saturação, valor tonal (luminosidade) e temperatura.
Podemos dizer que toda cor – seja ela primária, secundária ou terciária, misturada ou não com branco, preto ou cinza – corresponde a um determinado tom. Desta forma, consideramos aqui o termo ‘tom’ como equivalente à cor, seja ela primária ou composta, pois qualifica a cor de acordo com sua freqüência e intensidade luminosa.
Esta propriedade que determina a cor pode ser qualificada através de três aspectos.

O primeiro é o grau de intensidade do seu cromatismo, ou seja, sua saturação. Esta escala comparativa determina que a cor pode ser saturada (cromática) ou dessaturada (acromática).
Dizer que a cor apresenta-se na sua vibração cromática máxima significa afirmar que ela possui correspondência no espectro solar, sendo ela denominada de cor saturada. Toda cor saturada corresponde a um matiz. Desta forma, matiz é a característica que define e distingue uma família de cores provenientes da sua dessaturação.
A combinação do tom saturado (matiz) com branco, preto ou cinza em diferentes proporções para a obtenção de novas cores, corresponde à gradação da sua dessaturação, ou seja, passa a ser um tom dessaturado em branco, cinza ou preto[1], daquela cor ‘matriz’.

O segundo aspecto que determina a cor ou tom é o seu valor tonal, que corresponde à luminosidade da cor. O valor tonal é a característica que determina a intensidade luminosa da cor de acordo com uma correspondência na escala de valores[2]. Com relação aos matizes, elas naturalmente possuem valores luminosos específicos inerentes à sua qualidade cromática, sendo – dentro do espectro solar – os amarelos os tons mais luminosos e os violetas os mais escuros.
A escala tonal de uma cor é formada por seu matiz – cor pura correspondente ao espectro solar – e por suas sucessivas dessaturações com branco, preto ou cinza, variando a intensidade de sua luminosidade.

A temperatura é a terceira característica que define a cor, ou seja, cada cor possui uma equivalência à sensação tátil da temperatura, sendo classificada como quente ou fria. A temperatura cromática é determinada pela temperatura das três cores primárias, onde o azul (cian) é considerado cor fria e as cores magenta[3] / carmim e amarelo são consideradas quentes.
Comparativamente às primárias, as outras cores são igualmente classificadas como quentes ou frias justamente observando-se qual a primária predominante. No entanto, como veremos mais adiante, a temperatura de uma cor também depende do seu contexto, sendo determinada por suas relações cromáticas.

Preto e branco são consideradas cores neutras, no entanto, no sistema cor-pigmento, elas tendem a esfriar as cores quando adicionadas. Dizemos que um branco é frio quando ele possui uma vibração violácea, esverdeada ou azulada, e quente quando possui uma vibração avermelhada, amarelada ou alaranjada. A mesma observação pode ser feita para os ‘negros’, ou seja, para as cores nas quais o preto é predominante. Igualmente, tanto para os brancos quanto para os negros, a conotação de cor quente ou fria depende das relações com outras cores que encontram-se em um mesmo contexto, ou seja, através de comparações.
Esta equivalência da cor com a temperatura pode ser atribuída à experiência da percepção humana em relação a alguns fenômenos térmicos naturais. Desta forma, o calor, o sol e o fogo são associados aos tons amarelados, avermelhados e alaranjados, enquanto que o frio, o gelo e o céu são associados às cores azuis e violetas. Esta dimensão cromática confere às cores propriedades específicas: cores quentes conotam “proximidade, densidade, opacidade, materialidade, e as frias, distâncias, transparências, aberturas, imaterialidade”[4].

2.2 Círculo cromático: matizes e cores análogas
Se dispusermos as três cores primárias como vértices de um triângulo eqüilátero e as cores secundárias correspondentes entre cada par de primária, fazendo outra triangulação – formando um hexagrama – obteremos a base para o que denominamos círculo cromático[5].
A combinação de diferentes proporções entre cada par de primárias estabelecerá incontáveis cores que, por sua vez, constituirão o círculo cromático. As cores situadas entre uma primária e uma secundária constituinte estabelecem uma relação de cores análogas.

Como já tivemos oportunidade de mencionar, dentro do sistema cor-pigmento o círculo cromático corresponde às cores constituintes do espectro solar. Tanto neste sistema luminoso como no da cor-pigmento as cores se encontram na sua saturação máxima. Desta forma, dizemos cores saturadas quando a vibração cromática se encontra pura e na intensidade cromática máxima.

Como já vimos, cada cor saturada do círculo cromático é denominada matiz, não sendo, portanto, um matiz a cor saturada misturada com branco, preto ou cinza ou com uma terceira cor primária. Assim, dizer que um laranja específico é um ‘matiz’ significa dizer que é uma cor pertencente ao círculo cromático, ou seja, encontra-se na sua saturação máxima. Também podemos dizer que as pequenas variações cromáticas obtidas através da combinação do laranja com vermelho ou amarelo, sem se distanciarem da sua ‘identidade’ cromática original formando cores vizinhas ou análogas – permanecendo a dominância do ‘laranja original’ –, constituirão a família desse matiz. Cores dessaturadas provenientes da mistura deste laranja (L1) com preto ou branco ou cinza também pertencem à família deste matiz (figura a seguir).

2.3 Escala tonal e Escala cromática
Olhando para o círculo cromático podemos observar prontamente seis cores distintas: as primárias e as secundárias. A nossa percepção visual está baseada nesta distinção, transformando as inúmeras gamas de cores saturadas pertencentes ao círculo cromático e as dessaturadas como sendo derivadas destas seis cores ‘principais’.
Cada grande família de cor pode ser orientada dentro da escala tonal, ou seja, pode ser orientada entre pólos terminais de valores claros e escuros. As tonalidades de uma determinada gama de cor dominante são formadas por matizes análogos e também por suas respectivas dessaturações – utilizando o preto, o branco e o cinza. Desta forma, na escala tonal os diferentes tons do matiz dominante se relacionam através de duas formas: da diferenciação de suas luminosidades e da relação entre as proporções das cores primárias ou secundárias que constituem a sua cromaticidade. Como exemplo de escala tonal, tomaremos o ‘verde’ como matiz dominante, considerando as diversas cores provenientes da combinação entre cian e amarelo que constituem a identidade ‘verde’ e formam a família dos tons verdes: verde musgo, esmeralda, garrafa, bandeira, oliva, abacate, verde-oliva acinzentado, musgo escuro, verde-piscina e outros.

Derivada da escala tonal, temos a escala cromática, ou seja, a escala formada por um único matiz (cor saturada) e pelos tons provenientes da sua simples dessaturação pelo branco ou preto, variando apenas a intensidade da sua luminosidade. Desta forma, dizer que uma escala é ‘cromática’ é equivalente a dizer que é uma escala onde o matiz sofre saturação e dessaturação.
O tom mais saturado e em plena cromaticidade é denominado ‘cor alta’, sendo os tons pálidos ou escuros – que tendem à ‘acromaticidade’ – denominados ‘cores baixas’.

2.4 Balão Cromático e dinâmica de cor
A preocupação em criar um sistema cromático ‘universal’ que englobasse todos os matizes e tonalidades – inclusive os tons dessaturados com branco, cinza ou preto –, bem como a dinâmica de luminosidade e de dessaturação / saturação, levou alguns teóricos a formularem esquemas cromáticos tridimensionais. O mais coerente com as dinâmicas presentes na prática pictórica é denominado ‘balão cromático’.
Neste esquema, o círculo cromático (periferia do círculo central) representa a dinâmica dos matizes vizinhos. Por seu centro passa um eixo vertical que conduz à dinâmica da luminosidade, onde os pólos são o branco e o preto. Desta forma, este eixo também conduz a dinâmica de saturação / dessaturação do matiz com branco ou preto, ou seja, a quebra ou dissolução da saturação do matiz com branco ou com preto. Em direção ao centro perfeitamente cinza do disco temos a dinâmica da dessaturação / saturação do matiz com sua complementar. Lembremos que a mistura de tintas de cores complementares (sempre diametralmente opostos no círculo cromático) conduz a um tom de cinza respectivo, perfeitamente neutro e dessaturado. As imagens abaixo demonstram como um matiz verde específico se comporta com estas dinâmicas[6].
Como os matizes (cores de cromaticidade máxima – portanto constituintes do círculo cromático) também possuem variação da intensidade luminosa, sendo os amarelos os tons mais claros (que mais aproximam-se do branco) e os violetas os mais escuros (que mais aproximam-se do preto) a forma final do balão esquemático cromático fica da seguinte forma:

[1] Para fins genéricos adotaremos esta nomenclatura para todos estes tipos de combinações, apesar de algumas fontes bibliográficas sobre cor denominarem de forma diferente estas cominações.
[2] Consideramos aqui a escala de valores como a relação hierárquica que identifica única e exclusivamente a intensidade de luz. Desta forma, escala de valor é equivalente à escala de cinzas onde os pólos são o branco e o negro.
[3] O magenta é uma cor intermediária, de transição, e, apesar da sua classificação ser ‘cor quente’, ele apresenta uma ligeira vibração cromática tendendo para o frio característico de suas cores análogas violetas.
[4] OSTROWER, Fayga. Op. Cit., p. 243.
[5] Alguns teóricos chamam de disco cromático.
[6] Imagens retiradas do site “Teorias das Cores” do Prof. Marcelo Duprat. Para saber mais sobre o Balão Cromático, a dinâmica da palheta reduzida e outras considerações sobre as Teorias das Cores Vide http://www.marceloduprat.net/analises.html# . Agradeço a Marcelo Duprat pela concessão da utilização destas imagens.

Teoria da Cor - Fundamentos Básicos (Parte 1 de 3) por Lícius Bossolan



Essa apostila vai ser apresentada em 3 diferentes postagens.
Segue índice dessa primeira parte:

INTRODUÇÃO
1. SISTEMAS DE CORES: COR-LUZ E COR-PIGMENTO
1.1 Pensar a cor
1.2 Cor-luz e cor-pigmento
1.3 Cores primárias, cores secundárias e cores terciárias
1.4 As cores preto e branco
1.5 Síntese cromática por Adição e Subtração
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA (na postagem 3)


INTRODUÇÃO
A percepção da cor sempre fascinou os povos e foi apreendida de diversas formas de acordo com a época e cultura do receptor. Desde as principais pesquisas práticas e teóricas sobre a cor no período Renascentista foram formuladas diversas teorias para se entender este elemento visual. Apesar do fenômeno cromático ser simplesmente resultado da percepção retiniana e do processamento mental sobre a informação captada, até os dias atuais não foi formulada uma teoria cromática definitivamente ‘universal’ que abrangesse todos seus aspectos e resultados.
Desta forma, não seria exagero se afirmássemos que ainda estamos longe de um consenso global sobre este fenômeno. Talvez este fato se deva às amplas formas de abordagens que a relação ‘percepção visual-cor’ possa ser compreendida, ora como fenômeno dentro da neurofisiologia, ora como processo pertencente ao campo da física, ora como um estímulo visual compreendido dentro de códigos simbólicos pertencentes a um sistema sócio-cultural. Adotaremos aqui a compreensão de ‘cor’ como elemento formal essencialmente percebido através de fenômeno sensorial e individual. Como elemento formal, a cor deverá também ser compreendida dentro de um sistema estrutural potencialmente lingüístico, ou seja, como código imagético carregado de signos culturais.
Devido à referida falta de ‘universalidade’ teórica sobre a cor e suas relações, gostaria de salientar que após observarmos ampla produção bibliográfica, verificamos um conflito de informações teóricas principalmente no que diz respeito ao estabelecimento de nomenclaturas, sendo que muitas das vezes as informações são gritantemente desencontradas. Assim, foi necessário realizar um recorte metodológico e indicar uma determinada nomenclatura que nos auxilie na compreensão deste fenômeno perceptivo.
O objetivo central deste texto é auxiliar o aluno da disciplina proposta, buscando explicar o estudo das cores para direcioná-lo à prática pictórica, ou seja, pensar a cor dentro do campo da imagem através dos elementos pictóricos. Assim, daremos sempre ênfase para o fato da percepção cromática ser um fenômeno retiniano e a aplicação da cor na pintura ser estabelecida de acordo com significados psicológicos e simbólicos, estes previamente estabelecidos dentro de uma determinada cultura.

Agradecimentos:
Agradeço à minha esposa pelas conversas que tanto contribuíram para a elaboração desta apostila e por seu auxílio em sua revisão. Igualmente agradeço ao Prof. Marcelo Duprat (dep. BAB – EBA) pelas observações e debates que tanto enriqueceram o texto.

1. SISTEMAS DE CORES: Cor-luz e cor-pigmento

1.1 Pensar a Cor
Sob o ponto de vista formal, uma imagem pode ser reduzida à compreensão de cinco elementos expressivos visuais, como se existisse um léxico gramatical visual que constitui esta visualidade. São eles: a linha, a superfície, o volume, a luz e a cor[1].
Devemos ter em mente que a cor deve ser sempre compreendida dentro de um sistema de relações e não como algo isolado, evitando-se pensar a cor como elemento perfeitamente autônomo. Assim, não tem sentido apenas associar à cor significados previamente estabelecidos, como por exemplo, o significado de que o ‘verde’ possui a propriedade de acalmar, o ‘vermelho’ de excitar, o ‘preto’ de oprimir etc. É claro que cada cor possui características já consolidadas através da experiência sensorial ou da tradição cultural, como nestes exemplos mencionados, mas seus significados e ‘pesos’ visuais se alteram de contexto para contexto.
Compreender a cor como forma constituinte da imagem também é compreender que ela está aberta à ampla gama de significados simbólicos e espaciais que dependem das relações que ela estabelece dentro daquele sistema ou daquela imagem. Estes significados estão sempre em aberto e são potencialmente carregados de novos significados, prontos para serem decodificados através das mudanças culturais da comunidade. Desta forma, podemos afirmar que nós – que vivenciamos o Pós-Modernismo, onde o espaço-tempo é simultâneo e fragmentário – percebemos e analisamos as cores existentes nos quadros impressionistas de maneira totalmente diferente do público contemporâneo de tais obras que, por sua vez, ficou atônito e chocado com as inovações da fatura-cor no final do século XIX.

1.2 Cor-luz e cor-pigmento
Toda cor que enxergamos é o resultado de fenômeno exclusivamente luminoso, independentemente do sistema de cor, ou seja, se a cor é emitida diretamente de uma fonte luminosa – sistema cor-luz – ou se proveniente da reflexão de um anteparo – sistema cor-pigmento.
O sistema da cor-pigmento é percebido quando há o estímulo das células fotossensíveis da nossa retina, que recebem a luz indireta e proveniente da reflexão por um determinado anteparo. No sistema cor-pigmento quando uma luz branca ilumina uma superfície que identificamos como vermelha, o tom vermelho é originado pela reflexão da freqüência luminosa vermelha, enquanto todas as outras emissões coloridas presentes na luz branca são absorvidas.
Desta forma, temos que ter em mente que a percepção de uma determinada cor-pigmento também depende de como ela está sendo iluminada, podendo sofrer grandes variações do seu tom quando iluminada por luz diferente da branca[2]. Como o pesquisador Ralph Mayer enuncia:
"A cor de um pigmento não é a de suas propriedades definidas e inerentes; é ao contrário o efeito no olho produzido por aquela substância de pigmento particular sob certas circunstâncias. Muitas condições podem alterar o efeito de cor de um material, e dois exemplos do mesmo pigmento não se combinarão a menos que sejam vistos sob as mesmas condições exatas"[3].
Exemplo evidente deste fato é a mudança do índice de refração do pigmento pelo simples fato deste estar molhado, ficando mais escuro e profundo. Desta forma, o pigmento puro tem sua cor modificada quando misturado com óleo de linhaça, por exemplo. Também é devido ao fenômeno da refração do pigmento que a têmpera, quando seca, possui suas cores ligeiramente alteradas e clareadas, tornando-se opaca devido a total evaporação da água (seu solvente).
Com a tinta guache ocorre efeito semelhante e sua realçada aparência acetinada ao secar é proporcionada pela presença do carbonato de cálcio, que atua como carga[4].
Caso extremo é quando observarmos uma área pintada com pigmento vermelho iluminada por luz azulada. Iremos percebê-la como cor negra, pois toda freqüência referente à cor azul será absorvida pela tinta vermelha, não existindo luz vermelha para ser refletida e captada por nossos olhos.
No sistema cromático luminoso, a cor possui a característica física de ser percebida como ‘cor pura’, ou seja, o estímulo cromático criado na retina provém diretamente da luz emitida pela fonte luminosa[5]. Desta forma, a cor percebida corresponde a uma determinada freqüência do espectro eletromagnético visível emitido diretamente da fonte. No sistema cor-luz um determinado tom (cor) de vermelho é exatamente correspondente à cor emitida pela fonte luminosa.

1.3 Cores primárias, cores secundárias e cores terciárias
Cada um dos dois sistemas de cor mencionados são constituídos por três cores básicas denominas de cores primárias, sendo cada sistema possuidor de uma tríade diferente.
Nestes dois sistemas, através da combinação das cores primárias, podemos obter todas as outras cores perceptíveis na sua saturação máxima. Em contrapartida, não é possível obter uma primária combinando qualquer conjunto de cores.
Denominamos de cores compostas as cores provenientes da combinação de uma ou mais cores. Elas podem ser classificadas como cores secundárias e cores terciárias. As chamadas cores secundárias são oriundas da combinação de duas primárias, sendo portanto apenas possível a obtenção de três secundárias.
Da mesma forma que os dois sistemas cromáticos são distintos na sua natureza –
cor-luz e cor-pigmento –, suas cores primárias e secundárias também são diferentes. No sistema cor-luz as primárias são o vermelho, o verde e o violeta. Devido a esta tríade de primárias, este sistema também é conhecido como VVV ou RGB (Red, Green, Blue)[6].

É bom notarmos que as células fotossensíveis da nossa retina responsáveis pela identificação das cores (células cones) são divididas em três grupos especializados na identificação de cada uma das cores primárias do sistema cor-luz. A combinação e a intensidade de cada uma destas três freqüências luminosas determinam a percepção de todas as cores do espectro visível[7]. Devido a esta propriedade da luz, foi desenvolvido o sistema RGB para a emissão das cores-luz nas televisões e nos monitores coloridos. Já as cores secundárias deste sistema são o amarelo, o magenta e o cian (tom específico de azul com vibração ‘esverdeada’).
Já no sistema de cor-pigmento, as primárias são o amarelo primário, o cian e o magenta / carmim - e não o vermelho[8], como normalmente divulga-se fora do âmbito acadêmico.
A questão dual da cor primária magenta / carmim requer uma atenção especial. Estamos tratando aqui do sistema cor-pigmento, ou seja, da mistura entre duas cores distintas, o que envolve questões relativas à natureza ótica-química das partículas de pigmento. Não se trata de combinação luminosa (ondas eletromagnéticas), mas de um resultado obtido cujas propriedades são matéricas. Desta forma, se no sistema cor-luz a cor magenta aparece como uma das integrantes formadoras do sistema cromático luminoso (no caso como cor-secundária), no sistema cor-pigmento, construído através da manipulação matérica, a cor magenta pode atuar de forma diferente, sendo preferível substituí-la pelo carmim, de acordo com a técnica utilizada.
Quando aplicamos o magenta no sistema cor-pigmento nas técnicas das tintas têmperas guache ou aquarela, onde o diluente evapora totalmente (água) restando praticamente o pigmento mais a carga (carbonato de cálcio), ela funciona consideravelmente bem como cor primária, fornecendo precisão cromática na obtenção das cores secundárias (laranja ou violeta). No entanto, aplicada à técnica a óleo – técnica mais encorpada, onde a refração da luz pelo óleo escurece constantemente o pigmento mesmo após a secagem da tinta – o resultado ótico final não alcança tanta precisão na hora de obter as cores secundárias.
O professor e pesquisador Marcelo Duprat – baseado nos estudos de Paul Klee – alerta para o fato de que na palheta, o pigmento magenta misturado ao amarelo não nos fornece um “belo vermelho” e nem um “belo laranja”, pois apresenta tom ligeiramente frio e violáceo. Esta mistura resulta em “um terra-de-siena sujo. Na prática, o vermelho fundamental é o carmim. O magenta como cor primária ou fundamental funciona corretamente em gráficas, ou seja através da mistura ótica proporcionada pela retícula. Na paleta do pintor isso se dá de maneira diferente”.
Desta forma, para efeito de compreensão, manteremos aqui a dualidade magenta / carmim como cor primária, não descartando as propriedades do magenta como cor-primária, fato mencionado por diversos teóricos e fontes bibliográficas, já que tal cor pode ser aplicada com sucesso em técnicas como as têmperas, com visto acima. Lembramos aqui que muitas vezes os textos geralmente são formulados por puros teóricos, que não possuem a experiência prática do pintor. Igualmente lembramos que o fenômeno cor não possui uma universalidade. Assim, cabe ao estudante atentar para a observação prática e seus efeitos obtidos, longe da especulação teórica.
As cores secundárias no sistema cor-pigmento são igualmente diferentes do sistema cor-luz e são obtidas pela combinação de pares de cores primárias. São elas as cores laranja, verde e violeta[9]. No entanto, devemos ficar atentos para uma questão importante: apenas para efeito de identificação, conceitualizamos que a cor secundária é obtida por partes iguais de suas primárias constituintes. A secundária obtida por esta mistura perfeitamente equilibrada serve, desta maneira, apenas para estipular sua identidade. Assim, por exemplo, o verde ‘verdadeiro’, obtido pela mistura de uma parte de cian com uma de amarelo primário, age como regente de uma família de ‘verdes’ que tendem ora para um verde-azulado, ora para um verde-amarelado, mas que são igualmente considerados ‘verdes secundários’, de acordo com o contexto em que se encontram. O limite para identificarmos se uma cor pode ser considerada secundária ou não é estabelecido pelo bom senso na observação das relações cromáticas.

Desta forma, temos:
magenta / carmim + amarelo = laranja avermelhado
cian + amarelo = verde secundário
magenta / carmim + cian = violeta

Com a compreensão das cores primárias e secundárias, determinaremos arbitrariamente – e para fins de simplificação – as cores terciárias como sendo todas as cores obtidas pela combinação de proporções diferentes de três primárias, com ou sem acréscimo de branco ou preto. Desta forma temos como terciárias as cores “marrons, ocres, cinzas, pretos, brancos, enfim, todas as demais gamas independentemente do fato de serem compostas, ou não, por três cores”[10].
Pertencentes às cores terciárias, encontramos uma gama de cores chamadas cores terrosas. Estas cores são formadas pelos marrons, ocres e cinzas. Os marrons são obtidos na palheta através da mistura do vermelho e do preto. Por sua vez, os ocres são obtidos pela mistura do “amarelo cádmio degradado”, ou seja, “se você misturar um carmim com um azul ultramar e misturar ligeiramente este violeta em um amarelo de cádmio, obtêm-se um ocre. Acrescentando mais violeta obtêm-se um terra-de-siena”[11]. O cinza – como veremos mais adiante – é obtido através da mistura do preto e do branco, funcionando como ‘azul’ na relação cromática terrosa.

1.4 As cores preto e branco
Tanto no sistema cor-luz quanto no sistema cor-pigmento consideramos o branco e o preto como cores. No entanto, precisamos fazer algumas observações a respeito da participação destas duas cores nestes dois sistemas cromáticos.
No sistema cor-luz o branco é a soma de todas as cores do espectro visível – como ficara comprovado nos experimentos pioneiros de Isaac Newton[12]. Neles o físico provou como a luz pode ser decomposta em primárias, secundárias e cores análogas[13] – lembrando que as secundárias e as cores análogas são cores compostas pelas primárias. É equivalente dizer que a combinação das três primárias também corresponde ao branco, bem como a combinação de uma primária com sua complementar[14]. Conseqüentemente, a ausência total das cores-luz corresponde ao preto.
De forma oposta, no sistema cor-pigmento, a combinação de todas as três primárias – ou de uma primária com sua complementar – corresponde ao negro. No entanto, apesar do que nos é proposto em teoria, precisamos fazer uma ressalva sobre este aspecto combinatório. Na prática, quando misturamos diretamente três primárias ‘na tinta’ e em proporções iguais, mesclando seus pigmentos e utilizando a lógica da opacidade, jamais iremos obter o preto total. Obteremos sim, uma cor muito escura e o resultado efetivo será um terra-de-siena fechado[15]. Este fato ocorre porque na prática o amarelo é uma cor luminosa e em geral opaca, o que torna ligeiramente clara a mistura e impede a obtenção do negro absoluto.
Só somos capazes de obter com a mistura de tintas primárias uma cor mais próxima ao negro quando trabalhamos com a lógica da transparência, da sobreposição de camadas translúcidas, através da aplicação da velatura[16] - possibilidade presente nas técnicas da aquarela, da acrílica e do óleo.
Esta distinção entre os sistemas cor-luz e cor-pigmento é conseqüência direta do tipo de combinação das primárias para a obtenção das cores compostas. O tipo da combinação de cores no sistema cor-luz é denominado de síntese aditiva, e no sistema cor-pigmento é denominado de síntese subtrativa.

1.5 Síntese cromática por Adição e Subtração
A combinação de duas ou mais cores para se obter uma outra possui propriedades diferentes no sistema cor-luz e no sistema cor-pigmento. Como já foi mencionado, no sistema cor-luz a síntese é aditiva e na cor-pigmento é subtrativa. Esta nomenclatura não se refere, de fato, a suposta ‘subtração ou adição entre cores’ para formar uma cor resultante, mas sim, à simples relação da quantidade de fração de luz absorvida ou refletida comparativamente com o resultado final. Em outras palavras, no sistema cor-luz, a união de duas ou mais cores proporciona a adição de raios luminosos, enquanto no sistema cor-pigmento, a cor resultante absorve (subtrai) mais fração de luz que as suas cores iniciais isoladas.
No entanto, alguns teóricos ressaltam que esta distinção é genérica e a adição ou subtração da luz pode tanto ocorrer num sistema de cor quanto no outro. Por exemplo, Ralph Mayer nos diz:
"Diz-se que os seguidores da escola do Impressionismo Francês utilizaram o processo aditivo pela substituição ou justaposição de pequenos pontos de cor pura para misturas de cores. Quando observamos de uma distância adequada, os raios de luz refletidos dessas cores adjacentes misturam-se, produzindo no olho um matiz mesclado por vezes inteiramente diferente daquele que teria sido produzido caso as cores tivessem sido misturadas na paleta. O efeito é transparente e possui uma qualidade peculiarmente vibrante e luminosa. Um efeito similar, como todos os pintores sabem, é produzido, quando cores mescladas não são totalmente misturadas na palheta mas sim simplesmente mexidas frouxamente na tela. Esse comportamento aditivo dos raios de luz explica muitas peculiaridades e tendências nas misturas de cores, embora desempenhe um papel menor nos nossos métodos de pintura, os quais, para todos os propósitos práticos, conformam-se inteiramente às regras para misturas subtrativas. O sistema aditivo de mistura de cores está principalmente envolvido em trabalhar com os efeitos de luzes coloridas em vez de com tintas, e é básico em colorimetria e em fotografia de cores".[17]

Rudolf Arnheim é mais extremista neste aspecto e explicita que é errônea:
(...) "a afirmação de que as luzes se misturam aditivamente, enquanto os pigmentos se misturam subtrativamente. Em realidade pode-se combinar as luzes aditivamente sobrepondo-as numa tela de projeção, mas pode-se usar filtros de luz colorida para faze-los agir subtrativamente sobre a luz que passa através deles. De modo similar, dois ou três filtros coloridos dispostos em seqüência subtraem da luz. Por outro lado, as partículas dos pigmentos misturadas pelo pintor ou os pontos de cor usados na impressão colorida são, em parte, justapostos e, em parte, superpostos numa combinação tão intrincada de adição e subtração que é difícil de predizer o resultado."[18]

Desta forma, podemos dizer que as cores vistas através de um vitral – como este da catedral gótica de Chartres (França) – são percebidas através da síntese subtrativa, ao invés da aditiva, como é genericamente associada ao sistema cor-luz. Desta forma, um vidro de tom de azul cobalto, por exemplo, bloqueia todas as cores (subtraindo a luminosidade) e deixa passar exatamente a freqüência luminosa correspondente ao azul cobalto. Não se trata exatamente de mistura de cores para se obter uma outra, mas sim uma ‘síntese’ no sentido de obtenção da cor.
Outro exemplo que contradiz a classificação genérica destas sínteses é a percepção das cores do quadro Self Portrait (2000) do pintor norte-americano Chuck Close .
Esta imagem apresenta uma rede de relações complexas entre as cores para a obtenção de outras através do sistema cor-pigmento. Quando as cores são obtidas através da mistura da tinta diretamente, o resultado cromático é atingido pela síntese subtrativa, no entanto, quando obtida pela percepção “lado-a-lado” das cores, fazendo um determinado ‘pontilhismo’ da imagem, a síntese é aditiva, pois a cor surge pela fusão da percepção de outras cores.

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[1] Para saber mais sobre estes cinco elementos visuais vide OSTROWER, Fayga – Universos da Arte. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1991.
[2] É devido a este fato que os restauradores utilizam iluminação artificial idêntica à luz solar, pois se aplicarem um retoque numa iluminação diferente, quando o quadro for iluminado por luz natural ou similar, as cores adicionadas poderão ser visualizadas totalmente diferentes das cores presentes nas áreas vizinhas, evidenciando o reparo.
[3] MAYER, Ralph – Manual do Artista de Técnicas e Materiais. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 170.
[4] Marcelo Duprat lembra que quando o carbonato de cálcio “está úmido, fica transparente tal como um mingau de amido. Ao secar o pigmento volta a ficar branco”.
[5] Esta fonte pode ser própria (lâmpada, vela, televisão etc.) ou translúcida como, por exemplo, filtros e vidros coloridos que filtram a luz.
[6] Segundo os estudos de Young e Helmholtz este sistema de primárias seria o mais provável de ser percebido pela retina. Em 1960, MacNichol estabeleceu definitivamente esta relação e os experimentos “indicaram que os três tipos de receptor de cor são mais sensíveis à luz de cerca de 447 milimicrons (azul-violeta), 540 (verde) e 577 (amarelo)”. In ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual (Uma Psicologia da Visão Criadora). São Paulo: Livraria Pioneira, 1991, p. 331.
[7] Além das células cones, outro grupo de células fotossensíveis – as células bastonetes – são responsáveis pela identificação da intensidade da luz branca, captando os tons de cinzas, principalmente na visão noturna.
[8] Atentemos para o fato que o vermelho pigmento e toda a gama de nuanças análogas, na verdade é obtido com a mistura de amarelo e uma fração de magenta / carmim. Algumas fontes também descrevem a cor vermelha como sendo a cor secundária obtida pela mistura de magenta com amarelo, o que não corresponde exatamente a verdade pois a matiz resultante é mais próxima do laranja avermelhado.
[9] Alguns autores preferem a denominação roxo.
[10] Adotaremos aqui a posição de Ostrower sobre as cores terciárias. In OSTROWER, Fayga. Op. Cit., p. 240.
[11] Citação sobre as cores terrosas de Marcelo Duprat.
[12] Para saber mais sobre os estudos de Newton sobre a relação cor-luz, vide ARNHEIM, Rudolf. Op. Cit., p. 328.
[13] Cores análogas – cores vizinhas a uma determinada matiz. Veremos sobre estes conceitos mais adiante.
[14] Mais adiante, veremos as cores complementares de forma mais detalhada.
[15] A respeito deste Terra de Siena, Duprat informa que se o misturarmos com branco obteremos uma “laminha”, ou seja, um cinza neutro.
[16] A respeito deste termo, pode-se empregar tanto velatura quanto veladura.
[17] MAYER, Ralph. Op. Cit., p. 176 -177.
[18] ARNHEIM, Rudolf. Op. Cit., p. 331.

TÉCNICAS: ÓLEO

Apostila sobre a técnica óleo.
Nessa apostila falamos sobre o uso da técnica e suas particularidades, dando várias dicas sobre o modo de pintar e o material a ser usado. (imagem: La gran Via, de Antonio López)

ORIGEM
Como vimos na apostila anterior, a tinta a óleo deriva das têmperas também a óleo. Há registros de seu uso na Itália que datam dos séculos X e XI. Na Inglaterra foram encontrados documentos que mostram a utilização dessa técnica desde o século XIII. Mesmo tendo sido utilizada desde a Idade Média, ela só deixou de ter uso para fins decorativos nas mãos dos irmãos Van Eick, mestres da pintura flamenga. Assim, data do Renascimento - momento em que o homem passava a investigar e representar o espaço plástico no qual estava imerso – a utilização da técnica a óleo destinada a fins artísticos, que acabou sendo amplamente difundida no ocidente.

CARACTERÍSTICAS VISUAIS DO ÓLEO E VANTAGENS DA TÉCNICA
Nas pinturas realizadas com os denominados óleos secativos, os tons mais escuros são bastante profundos e as transparências dadas pelas velaturas mostram-se muito mais eficazes e translúcidas do que as conseguidas com as têmperas. Isso acontece porquê o óleo possui um índice de refração alto e os aglutinantes das têmperas não. Vimos que o pigmento da têmpera seca e reflete a luz em todas as direções. Já o pigmento da tinta a óleo está mergulhado em um ambiente de densidade diferente – o óleo – que não seca, mas oxida, e reflete a luz de uma forma diversa, já que possui um índice de refração[1] mais alto.
O óleo possibilita também a combinação de efeitos transparentes e opacos dados por uma mesma técnica, além de permitir os grandes empastamentos, podendo o artista utilizar massas consideráveis de tinta. Especialmente quando a tinta a óleo é misturada ao carbonato de cálcio ou à cera (que funcionam como carga), podem ser obtidas diversas densidades na tinta, o que facilita e dá mais opções de texturas ao pintor no momento em que aplica a técnica.
Na técnica a óleo não ocorre uma drástica mudança na cor da tinta quando esta seca, como acontece nas têmperas. A cor aplicada é, geralmente, a cor resultante ao final do processo de pintura e secagem. As cores a óleo permanecem brilhantes e ricas em tons e profundidade.
Os acabamentos podem ser realizados de forma lenta e cuidadosa, pois a tinta não tem a secagem rápida. Além disso, após a secagem, o artista pode voltar a interferir na pintura durante muito tempo depois que esta tenha sido iniciada.
As tintas podem sofrer interplanação: ao contrário das têmperas, que devem ser aplicadas em camadas superpostas, a tinta a óleo pode ser fundida com a imediatamente vizinha, ainda molhada e no próprio suporte, promovendo passagens suaves e imediatas de um tom a outro.
As tintas a óleo eliminaram a preparação diária do material do artista, que passou a armazená-las em saquinhos de couro ou bucho, que quando furados vertiam a quantidade necessária para o uso.
Mais tarde surgiram os tubos de metal com pistões que empurravam a tinta, que logo foram industrializados e substituídos pelos atuais tubinhos de metal tampados.
Com a industrialização o material de pintura a óleo tornou-se padronizado e de boa qualidade, já que a técnica tornou-se muito difundida.
É importante observar que a industrialização da tinta possibilitou importantes mudanças no modo de pintar, impulsionando a pintura de campo, fundamental para a pesquisa do movimento Impressionista.
As películas da pintura a óleo são elásticas e acompanham bem o trabalho dos suportes, que podem ser maleáveis, como telas de linho ou algodão, o que facilita o transporte das pinturas e seu armazenamento em rolos.
Essa característica também proporcionou importantes mudanças, pois as pinturas passaram a ter valor de troca e a serem tratadas como mercadorias. Além disso, elas puderam ser transportadas a longas distâncias, possibilitando o intercâmbio e difusão de idéias e estéticas entre diferentes escolas. É bom lembrar que antes de seu advento, para um artista ter acesso a uma pintura em afresco, mural ou retábulo, ele deveria ir até onde esta se encontrava.

O VEÍCULO
Os óleos secativos derivam comumente das sementes de linho. Outros óleos já muito utilizados são o óleo de papoula e o óleo de nozes. No entanto, a linhaça pode ser cultivada em qualquer lugar onde haja clima temperado ou frio e, por isso, seu uso tornou-se bastante popular. Além disso, o óleo de linhaça tem a elasticidade melhor que a conferida pelo óleo de papoula, embora este último seja mais claro, propriedade que não é tão significativa se comparada ao óleo de linhaça, a não ser na moagem de pigmentos claros, como o branco. Além disso, o óleo de papoula demora mais que o óleo de linhaça para oxidar-se.
O óleo de linhaça cru é retirado das sementes do linho e, ao contrário do óleo de nozes, não se torna rançoso com o tempo.
Hoje o óleo de linhaça é extraído através de prensagem das sementes em vapor a alta temperatura e alta pressão, o que prejudica um pouco sua composição e pureza. O óleo de linhaça ideal é aquele prensado a frio, em escala não industrial, já que o processo o torna mais claro e límpido.
Para a utilização em velaturas - e não na moagem de pigmentos para a confecção da própria tinta, já que é muito viscoso e possui acidez reduzida - o artista tem como opção também o óleo stand[2] (óleo de linhaça polimerizado), cuja estabilidade e pureza são superiores às do óleo de linhaça cru. Suas moléculas são mais densas e maiores, tornando o óleo menos suscetível ao escurecimento com o passar do tempo. Nesse caso o pintor pode utilizá-lo diluído com o solvente, no lugar do óleo cru, procedimento aconselhável segundo autores como Motta e Mayer.

A SECAGEM DO ÓLEO E SUAS PARTICULARIDADES
Depois de aplicado, o óleo seca, ou melhor, enrijece por oxidação, formando-se uma camada vítrea que não se desmancha ou volta às propriedades físicas e químicas originais de maneira nenhuma. Muitas vezes, especialmente quando se aplica a tinta de forma espessa, a camada superficial da pintura, chamada nesse caso lenoxina, seca e as demais camadas só são oxidadas após muito tempo, permanecendo com propriedades elásticas e maleáveis.
Depois de muitos anos oxidando-se, as camadas de óleo tornam-se rígidas e vitrificam a ponto de não mais conseguirem suportar o trabalho dos suportes, ocorrendo, então, o craquelê. As camadas pictóricas também podem sofrer transparentização. Há pinturas em que podemos notar “arrependimentos”, ou seja, esboços e áreas pintadas por cima de outras que o artista acabou abandonando durante o processo de pintura. Essas áreas ficam à mostra e insinuadas quando esse efeito se dá em uma ou outra parte da pintura.
Para minimizar a desvantagem do craquelamento, o artista deverá sempre obedecer às leis de ancoragem, aplicando camadas gordas (com mais óleo) sobre camadas magras (com menos óleo). É interessante observar que depois de oxidada, a película de óleo fornece ao pigmento ação preventiva contra ácidos e gases sulfurosos, encontrados na atmosfera dos centros urbanos.

SOLVENTES
O solvente destinado à pintura a óleo mais antigo de que se tem notícia é a terebentina. Ela é extraída de coníferas através de um processo de destilação. Por ser muito volátil, ela pode ser usada em consonância com o óleo para a aplicação das velaturas, em um molho que equilibra o óleo e o solvente em proporções diversas, dependendo da intenção do artista, observandas as leis de ancoragem.
Hoje temos solventes menos tóxicos no mercado, como o Ecosolv, da Acrilex (um solvente que funciona como a terebentina: é volátil, dilui-se bem no óleo de linhaça e é praticamente inodoro). A terebentina tem cheiro muito forte e muitas pessoas são alérgicas a ela.

IMPORTANTE: a difusão dos vernizes – especialmente entre os artistas do século XIX – fez com que alguns os utilizassem na hora de fazerem suas velaturas. No entanto, o que se tem observado é que, ao contrário do óleo de linhaça, os vernizes - como o verniz de damar - escurecem com a luz natural, tornando as camadas e áreas onde foram aplicados amareladas e escuras, prejudicando, desse modo, a leitura da obra e sua estética. Sendo assim, é definitivamente desaconselhável a utilização de vernizes e resinas na composição e velaturas com tintas a óleo. O ideal é utilizar o óleo de linhaça stand, já que este tem a magnífica propriedade de ser clarificado quando exposto à luz solar. Pintores como Rembrandt e Rubens não utilizaram vernizes em suas pinturas, que permanecem com cores vívidas e claras.
Ainda hoje, muitos artistas ainda pensam que o verniz como cobertura final é um acabamento obrigatório para as pinturas a óleo. Alguns estudiosos acreditam não ser necessário, pois, como vimos anteriormente, o óleo de linhaça protege o pigmento e a cobertura.
Devemos observar, porém, que hoje existem vernizes e reisinas bastante estáveis e de boas marcas para acabamento e cobertura final de pinturas a óleo (Ex. Paraloid B67 – resina acrílica). No entanto os restauradores advertem que mesmo o uso dessas substâncias está em constante revisão, já que são compostos novos e não testados suficientemente.

SUPORTE
A tinta a óleo, devido à sua relativa flexibilidade, pode ser aplicada tanto sobre suportes rígidos quanto sobre suportes maleáveis, como as telas. Muitos artistas utilizam-se de telas feitas com lona de algodão, sendo o tecido mais nobre e tradicional o próprio linho, cuja trama é estável e as fibras menos elásticas, possibilitando um trabalho menor do material.
No entanto, verificou-se que com o passar do tempo o linho tem suas fibras mais danificadas que o próprio algodão, já que possui naturalmente em sua composição um pouco do óleo de linhaça que, por sua vez, acaba oxidando-as e com isso arruína a celulose.
É recomendável que o próprio artista fabrique suas telas, pois as industrializadas passam por processos diversos, dentre os quais há adição do próprio óleo de linhaça ao preparo dos fundos. O óleo, além de outras substâncias que conferem certa plastificação ao tecido, é utilizado na fabricação de telas por torná-las maleáveis e mais fáceis de se transportar e produzir em série. Além disso, por o fundo preparado industrialmente ter a absorção não apropriada, a camada da pintura em si tenderá a deslocar-se por cima da camada de fundo, se estragando.
A preparação de um bom fundo para pinturas a óleo pode ser feita hoje com materiais industrializados como a cola vinílica (PVA) misturada a tintas acrílicas, que tornam o tecido absorvente e fosco, como a tinta de base acrílica, para pintura de parede (Metalatex, Suvinil) branca. A cola vinílica na preparação de telas substitui a gelatina de origem animal e funciona tão bem quanto ela. Caso o artista deseje um fundo colorido, o aconselhável é fazer um preparado com mais cola, tinta de base acrílica e o pigmento, aplicando uma segunda cobertura.

PREPARANDO O FUNDO
Para suporte rígido
Lixar bem, encolar o tecido sobre o suporte com gelatina incolor* e depois passar Tinta Metalatex branco (fosco) com um pouco de óxido de zinco (que atua também como fungicida e torna o fundo mais absorvente).
Para obter um fundo menos absorvente, colocar um pouco de cola junto ao preparo da Metalatex
(*) pode ser substituída por cola branca PVC em solução aquosa.
Colorindo o fundo: misturar o pigmento desejado a um pouco de cola à Metalatex (branco fosco)
Para tela esticada em chassi ou estendida sobre madeira
Passar a tinta de base acrílica (Metalatex, Suvinil) misturada à um pouco de cola PVC e ao óxido de zinco, buscando uma consistência adequada.
Para obter um fundo mais absorvente, diminuir a quantidade de cola

Colorindo o fundo: misturar o pigmento desejado a um pouco de cola à Metalatex (branco fosco)

OBSERVAÇÃO
Caso o artista queira encolar a tela com gelatina, poderá fazê-lo no chassi e no suporte rígido, aplicando o preparado de gelatina antes do fundo indicado. Esse preparado substitui a cola PVC, que não deverá ser utilizada no processo de cobertura do tecido pelo fundo branco.
> Cobertura de gelatina > 100gr de gelatina incolor comestível dissolvida em 1 litro d’água (diluir em água quente (não fervente) e aplicar com trincha esfregando bastante. Colocar fungicida na mistura.
>> por MarthaWerneck - 2007

BIBLIOGRAFIA
MAYER, Ralph. Manual do Artista. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
MOTTA, Edson. Iniciação à Pintura por Edson Motta e Maria Luiza Guimarães Salgado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1976
NERY, Aurélio Cardoso. Cozinha da Pintura. Apostila de setembro de 1994.
Anotações pessoais da autora
Internet: links especificados no decorrer do texto.

[1] A mudança de refração é um fenômeno que ocorre quando a luz passa de um meio a outro. Há mudanças em sua velocidade, comprimento de onda e em sua direção de propagação. Na refração a única grandeza física que se mantém é a freqüência.
[2] óleo de linhaça polimerizado ou óleo stand: estado condensado ou polimerizado do óleo de linhaça ("stand oil" ou "polymerized oil"). Para tornar-se um stand oil, o óleo de linhaça passa por um processo onde sofre aquecimento do óleo a 280-310 ºC ao abrigo do ar, o que favorece a polimerização sem provocar o aparecimento das cetonas insaturadas. Durante o processo de secagem absorve menos oxigénio do que o óleo natural. A menor quantidade de oxigênio que fica a fazer parte da estrutura polimérica deve ser responsável pela maior longevidade do filme formado. Durante a secagem, o aumento de volume é menor, o que diminui a tendência a estalar e se rachar. (http://ciarte.no.sapo.pt/material/ligantes/oleo.htm)

TÉCNICAS: TÊMPERAS

Apostila sobre a técnica têmpera
Nessa apostila falamos sobre o uso da técnica e suas particularidades, dando várias dicas sobre o modo de pintar e o material a ser usado. (Imagem de P. Cadmus, têmpera s/ tela)

ETIMOLOGIA
De temperare (latim/italiano), que quer dizer misturar, juntar (origem mesma da palavra tempero). Assim, de certa forma, todas as tintas são tipos diferentes de têmperas.

DEFINIÇÃO
Quando a tinta é fabricada, existe um veículo[1] cujas características definem o tipo de tinta com que trabalhamos: óleo[2], guache, aquarela, acrílica.
De acordo com a nomenclatura usada atualmente, excluindo a aquarela, "a pintura a têmpera engloba todos os processos de pintura em cujo aglutinante[3] seja solúvel em água"[4].
No que hoje chamamos têmpera, por sua vez, há a utilização do pigmento branco, sendo a opacidade - e não apenas as transparências, como acontece na aquarela[5] - uma de suas propriedades, podendo ser aplicada em suportes com fundos coloridos. O próprio guache é um exemplo comum de têmpera, composta por goma arábica e mel ou glicerina (utilizados para aumentar a plasticidade da tinta).

CARACTERÍSTICAS VISUAIS DA TÊMPERA
A diferença visual entre a têmpera e a pintura a óleo é bastante observável: a têmpera é mais opaca e luminosa e os tons escuros são menos profundos. No óleo os tons mais escuros são bastante profundos e as transparências dadas pelas velaturas mostram-se muito maiores do que as conseguidas com as têmperas. Isso acontece porquê o óleo de linhaça tem um índice de refração alto e os aglutinantes das têmperas não.
O pigmento da têmpera seca e reflete a luz em todas as direções. Já o pigmento da tinta a óleo está mergulhado em um ambiente de densidade diferente – o óleo – que não seca, mas oxida, e reflete a luz de uma forma diversa pois possui um índice de refração[6] mais alto. Os aglutinantes das têmperas (cola de cartilagem, vinílica, ovo, etc) têm índices de refração desprezíveis. Eles fixam o pigmento ao suporte por meio de gotículas. Quando a água seca, os pigmentos ficam cercados pelo ar, a tinta fica opaca e o acabamento acetinado.

EXEMPLOS DE TÊMPERAS
Temos como exemplos da pintura a têmpera feita com colas vegetais ou de cartilagem as pinturas rupestres, as egípcias, os murais de Herculano e Pompéia (cidades romanas situadas na hoje província italiana de Nápolis).
No medievo, temos os retábulos bizantinos dos séculos X e XI, pintados à têmpera sobre folhas de ouro (policromia sobre ouro), aplicadas como fundo. O ouro realçava as cores opacas, que adquiriam algum reflexo quando aplicadas sobre o fundo brilhante.
Ainda na Idade Média (por volta do sec XII) os iluminadores de escrituras já aplicavam as técnicas de têmpera utilizando substâncias parecidas com a goma arábica, pois tinham como aglutinante a cola vegetal da cerejeira ou ameixeira[7].
Mais tarde, com a adição de materiais oleosos, resinosos ou cera, a técnica da tradicional têmpera a ovo foi sendo modificada e substituída por têmperas que apresentavam brilho, como as pinturas flamengas do século XV e as pinturas de Antonello de Messina (pintor italiano de influência flamenga), até o momento em que a pintura a óleo reinou absoluta e as têmperas passaram a ser mais utilizadas para estudos do que para obras “acabadas”, caindo no desuso até poucas décadas atrás.

O VEÍCULO
Os veículos da têmpera são emulsões[8] que, quando secas, formam películas transparentes e quando molhadas têm uma aparência leitosa, causada pela refração e dispersão da luz através da água que envolve os glóbulos oleosos e pigmentos.

VANTAGENS DA TÊMPERA
> O médium da têmpera, após sua secagem, torna a tinta praticamente insolúvel para que possa haver sobrepinturas com mais têmpera ou com médiuns de óleo ou verniz.
> A pintura à têmpera pode ser muito durável se conservada em ambiente sem umidade excessiva. Quando há umidade, as diversas partículas que compõe a pintura se movem desordenadamente, causando o fenômeno do deslocamento e da desagregação, que pode acontecer também na pintura a óleo. Isso ocorre principalmente quando o aglutinante é pouco elástico[9].
> Rápida secagem
> Aspecto fosco
> Cores vibrantes
> Permanência da cor: na têmpera, a película de tinta não amarelece com o tempo, como acontece com as tintas a óleo, médium que acaba dando um tom amarelado à pintura com o passar dos anos. Na pintura finalizada há quantidade insignificante de aglutinante, o que não altera a cor do pigmento.

AS CAMADAS PICTÓRICAS NA TÊMPERA
> Em relação às camadas de tinta, não é necessário prestar tanta atenção quanto na pintura a óleo, onde alguns pigmentos são mais oleosos que outros e podem não reagir bem caso sobrepostos. No entanto, a regra de flexibilidade das camadas deve ser respeitada: a camada de cima deve ser sempre mais flexível que a de baixo.
No caso das têmperas, a camada de cima não pode ter mais aglutinante que a camada de baixo, pois a contração da camada mais forte pode provocar o rompimento da camada inferior. Dessa forma, para que a pintura não corra o risco de descascar, é sempre melhor pecar pela menor quantidade de aglutinante do que por seu excesso.
> Caso a pintura quando finalizada ainda desprenda muitos pigmentos, será sempre possível aplicar uma camada fina do mesmo aglutinante utilizado na feitura da têmpera.
> Não se deve usar coberturas pastosas, com muito aglutinante, sobre uma camada já muito espessa.
> Deve ser dada preferência às aguadas sobre as camadas mais grossas ou à sobreposição de camadas finas e aguadas.

PIGMENTOS
> Quando os pigmentos não aceitarem muito bem a mistura com a água devemos adicionar a eles algumas gotas de álcool no momento da mistura, para que tornem-se miscíveis.
Cores como o branco de chumbo, vermelhos de chumbo e os cromos devem ser evitados por terem suas cores alteradas rapidamente principalmente em locais muito poluídos, pois sofrem ação de gases sulfurosos. Também os pigmentos artificiais, derivados do carvão de pedra ou do petróleo, chamados toluidinas não são bons por serem muito sensíveis à luz.

RACHADURAS
> Caso a tinta a têmpera seja mal feita, ela racha imediatamente, ao contrário do óleo. Isso geralmente acontece quando o pintor não prepara o fundo de forma adequada ou quando coloca um excesso de aglutinante na feitura da tinta, como descrito acima.

POLIMENTO
> O polimento na pintura a têmpera pode conferir ao trabalho uma aparência de semi-brilho, utilizado com um bom resultado na têmpera a ovo. Para isso é preciso polir a superfície da pintura com um pano macio, um chumaço de algodão absorvente ou uma escova macia. A pintura deve estar bem seca para isso. Pode-se também encerar a superfície com uma boneca de pano. Alguns pintores realizam esse processo antes de trabalhar com velaturas de óleo ou verniz por cima da têmpera.

TÉCNICAS VARIADAS VISANDO OUTROS TIPOS DE ACABAMENTO
> Encontramos muitas pinturas a têmpera medievais envernizadas, mas o verniz tira da têmpera a característica de cobertura fosca. O que é possível e pode dar um resultado surpreendente é a mistura da têmpera a base de água com uma tinta a óleo, por exemplo, trabalhando em duas camadas: a base de água por baixo e a base de óleo por cima, após a secagem da primeira camada. O interessante seria tirar partido dessa técnica, deixando partes da pintura foscas e outras brilhantes, com tons escuros mais profundos e, é claro, utilizando velaturas com o óleo no decorrer do processo.

SUPORTE
> Deve ser um suporte rígido, para que a têmpera não rache – madeiras como o álamo e o carvalho são madeiras nobres para tal uso – mas, para estudos podemos utilizar compensados ou mesmo o MDF lixado, para que tenha aderência ao preparado do fundo (o eucatex não é recomendado por soltar vapores ácidos que constituem a encolagem do próprio material).
> O suporte rígido também pode ser revestido de uma lona fina de algodão (lona 12) ou de linho, tecido cuja elasticidade é mínima, desde que esse seja colado ao suporte, para que não haja trabalho do material. Essa opção pode ser interessante para os guaches e têmperas que podem ser utilizadas de forma mais espessa, pois o artista pode tirar partido da textura do tecido.
> O papel também pode ser uma boa escolha, especialmente os de alta gramatura, mas não suporta camadas muito espessas.

PREPARANDO O FUNDO
Para uma boa aplicação das tintas a têmpera, o fundo deve ser absorvente. Para isso é recomendável a preparação do mesmo com gesso cré.

Material:
> 200 gr de Gesso crê (que é o carbonato de cálcio artificialmente preparado)
> 250 ml de Cola Vinílica (Cascorez)
> 100 gr de Óxido de zinco (que serve como fungicida e branqueador)
> Acrescentar água na medida em que se faz a mistura. A consistência deve ser parecida com a de uma tinta tipo Metalatex.
> fungicida

Obs: Para obter um fundo mais absorvente, diminuir a quantidade de cola em até 100 ml.
Se ao final da preparação o desejo for um fundo ainda com menor absorção, é recomendável adicionar a essa cobertura uma camada fina de cola PVA diluída em água. É interessante observar que esse procedimento pode ser feito após o traçado do desenho, para que ele não se dissolva contra o fundo no momento da aplicação das tintas. Caso haja algum tipo de traçado, o ideal é fazê-lo de forma leve com um lápis muito macio que não fira o fundo e não borre a superfície.
É aconselhável, para fundos coloridos, aplicar a mistura de gesso e cola pura em uma primeira camada e, a seguir, adicionar à mistura inicial o pigmento com o qual se quer colorir o fundo, aplicando uma segunda cobertura.
O valor da cor de fundo deve ser pensado de acordo com o objetivo do pintor. Para aqueles que querem tirar maior partido da translucidez e das velaturas (caso estejam trabalhando com a têmpera a ovo e óleo), aconselha-se um fundo mais claro, em tom pastel.


PREPARANDO A TÊMPERA

TÊMPERA VINÍLICA
Esse tipo de têmpera é muito resistente e de certa forma fácil de usar. Seu acabamento é mais fosco e aveludado do que a têmpera a ovo e, ao secar, ela torna-se totalmente impermeável, podendo ser retocada com tintas a óleo ou têmpera a base de ovo e óleo.

Aglutinante:
Em um pote de vidro tampado colocar cola vinílica (PVA - *Cascorez) diluída em água até que fique em consistência de xarope. No mesmo recipiente entornar um filete de óleo de linhaça stand (pouca quantidade) e algumas gotas de própolis ou óleo de cravo (que funcionam como fungicidas). Agitar bastante a emulsão, para que o óleo fique nela disperso. O óleo é aqui utilizado para que a têmpera não seque depressa demais.

Pigmentos:
Utilizar o pigmento em pó ou
> moer os pigmentos em água destilada para que fiquem com consistência parecida com a da tinta a óleo em tubo
> colocá-los em frascos pequenos e muito bem tampados (de rolo de filme são bons, especialmente se as tampinhas forem revestidas com uma camada de papel filme)

Mistura:
Na hora de utilizar, misturar os pigmentos com o aglutinante e acrescentar água para diluir mais a tinta.

TÊMPERA A OVO
A têmpera a ovo é a mais antiga das emulsões de têmpera, tendo como veículo a gema - composta por solução de água e goma, albumina[10] e lecitina[11]. A cor amarelada da gema em nada prejudica as cores quando misturada aos pigmentos e à água. Alguns afirmam que ao secar ela é clareada com a luz do dia. O ideal é usar ovos frescos, já que esses custam mais tempo para se decompor.

Aglutinante:
Ø Separar na mão a gema de ovo (é importante tirar todos os traços da clara)
Ø Passar a gema de uma mão para outra, secando as mãos alternadamente em papel absorvente para que o resíduo da clara seja mínimo
Ø Furar a gema com uma faca, deixando que ela escorra para um recipiente limpo
Ø Adicionar um fungicida > gotas de própolis

Pigmentos:
Utilizar o pigmento em pó ou
> moer os pigmentos em água destilada para que fiquem com consistência parecida com a da tinta a óleo em tubo
> colocá-los em frascos pequenos e muito bem tampados (de rolo de filme são bons, especialmente se as tampinhas forem revestidas com uma camada de papel filme)

Mistura:
> Colocar uma parte de gema para uma parte dessa mistura de pigmento moído em água ou em pó (depende da opção do artista). Pode-se medir essas quantidades com colheres.
Observação: depois de misturados à gema, a tinta dura no máximo uns três dias (dependendo das condições de temperatura) e não pode mais ser guardada. Por isso - e também porquê fica fácil medir a mistura com a gema na hora da pintura - autores como Ralph Mayer aconselham moer o pigmento em água destilada e reservá-lo.
É recomendável, na hora da utilização, molhar um pouco as tintas e colocá-las em pequenos recipientes que possam ser tampáveis, pois a tinta seca muito rápido. Há paletas plásticas com recipientezinhos, que podem ser recobertas com um pano úmido para dificultar o endurecimento da tinta e a formação de uma película sobre ela.

NA HORA DE PINTAR
A têmpera a ovo deve ser bastante fluida, ou seja, misturada com bastante água. O pincel deve estar sempre mergulhado em água para que não endureça e se estraguem as cerdas.
Quando as quantidades de gema e de pigmento estão bem medidas pode-se adicionar a quantidade de água que se precisar à mistura.
Para superfícies lisas preparadas com gesso e cola, podem ser utilizados pincéis de marta, de aquarela ou de marta vermelha misturada ao pêlo de boi, já que esses últimos são mais elásticos. Os pincéis devem ser, como os de aquarela, redondos e de ponta que se afina.

CARACTERÍSTICAS DA TÊMPERA A OVO
A têmpera a ovo produz uma tinta translúcida e fluida quando comparada ao guache. Ela não é boa para películas pastosas e opacas, como é o guache, e espera-se que sua aplicação seja mais aproximada de um procedimento que utilizamos na aquarela: as pinceladas devem seguir uma direção e não serem esfregadas sobre a superfície. Além disso, devemos esperar a camada inferior secar para passar uma outra camada de tinta, evitando assim efeitos turvos. Mesmo utilizando os brancos há uma translucidez nas camadas, que deve ser aproveitada como parte importante da técnica e que devemos objetivar como resultado.
As hachuras são tradicionalmente o método mais utilizado nas têmperas, mas nada impede que cada artista busque sua expressão ideal com esta técnica. Pinceladas aguadas ou grandes podem ser feitas, sempre respeitando o fundo, que deve estar seco o suficiente para receber a aplicação da camada.
A têmpera a ovo é uma técnica que exige meticulosidade e cuidado extremo, além de muita paciência.

TÊMPERAS COM EMULSÕES DE ÓLEO E OVO
Quando há adição do óleo stand[12] (óleo de linhaça) ao ovo, o médium começa a ter propriedades da tinta a óleo. Essa técnica é muito boa para o artista que busca pinceladas com a fatura mais definida e com um pouco de empaste, além de produzir camadas veladas. No entanto, o empaste dado por essa técnica não é tão eficiente quanto o de uma têmpera de goma, como é o caso do guache.
Esse tipo de têmpera deve ser preparada com cuidado redobrado, pois muitas vezes se isso não é feito o médium pode se estragar facilmente.
Ralph Mayer aconselha a utilização não só da gema, mas do ovo inteiro no preparado dessa têmpera, pois defende que os preparados apenas com as gemas apresentam maiores problemas[13]. Segundo o autor, a gema e a clara devem ser adicionados porque a clara do ovo propicia uma emulsificação melhor com o óleo.
Nesse tipo de têmpera deve-se respeitar a “lei da ancoragem”, sendo aplicadas camadas mais gordas (com mais óleo na emulsão da têmpera) sobre camadas mais magras. Isso pode ser feito adicionando gotas de óleo à tinta preparada.

Aglutinante:
1 parte de ovo inteiro
4 partes de água pura destilada
1 parte de óleo de linhaça (óleo stand)
Fungicida > gotas de própolis

Essa solução deve ser bem agitada após o ovo e o óleo serem misturados completamente. Recomenda-se que ela seja feita sempre em partes pequenas, para que fique bastante homogênea.
Pigmentos e mistura:
> moer e misturar os pigmentos secos nessa solução, para que a quantidade de água seja inalterada e se mantenham as proporções, pois disso depende o sucesso desse tipo de têmpera.

Solvente: aguarrás, faísca, ecosolv (da Acrilex - pouco agressivo e quase inodoro) ou terebentina (não indicado por ser muito tóxico)

REMOÇÃO DAS TÊMPERAS
Como remover a pintura a têmpera: esfregar o suporte com água e sabão neutro ou amoníaco (nesse processo, o fundo também será dissolvido)

> por MarthaWerneck em 2007/1


BIBLIOGRAFIA

MAYER, Ralph. Manual do Artista. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
MOTTA, Edson. Iniciação à Pintura por Edson Motta e Maria Luiza Guimarães Salgado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1976
NERY, Aurélio Cardoso. Cozinha da Pintura. Apostila de setembro de 1994.
Anotações pessoais da autora
Internet: links especificados no decorrer do texto.


[1] Veículo: líquido que dá a característica à tinta no momento da preparação da mesma. Utilizado como transporte de pigmentos (alguns autores utilizam o termo como sinônimo de médium)
Médium: substância que caracteriza a técnica (mantém propriedades adesivas, de aglutinação e de formação da película) sem a presença do pigmento.
Observação: a carga é um elemento inerte que, adicionado à mistura do pigmento com o aglutinante torna a tinta mais espessa e diminui a concentração do pigmento. Geralmente as tintas mais baratas possuem mais carga. Elementos utilizados como carga são o carbonato de cálcio, sulfato de bário, talco, pirofilita (Silicato de alumínio hidratado) etc. (http://www.oswaldopullen.com/html/de_que_e_feita_a_tinta_.html)
[2] A técnica a óleo, inventada no século XIV é o desenvolvimento de técnicas a têmpera.
[3] Aglutinante: Substância utilizada na composição das tintas para dar coesão aos pigmentos, de forma que resulte factível sua aplicação sobre a superfície a ser pintada.
[4] MOTTA, Edson. Iniciação à Pintura por Edson Motta e Maria Luiza Guimarães Salgado. Rio de Janeiro, Nova Fronteira. 1976, p. 13.
[5] A aquarela é considerada um tipo de processo independente simplesmente porquê não há a utilização do pigmento branco na mecânica e lógica de obtenção de cores, dadas pela sobreposição de camadas translúcidas sobre um fundo - geralmente branco - que funciona como a parte mais clara da composição.
[6] A mudança de refração é um fenômeno que ocorre quando a luz passa de um meio a outro. Há mudanças em sua velocidade, comprimento de onda e em sua direção de propagação. Na refração a única grandeza física que se mantém é a freqüência.
[7] espécie de goma que escorria dos galhos dessas plantas, podendo ser liquefeita quando esquentada, depois coada e misturada aos pigmentos.
[8] Emulsão: mistura estável de um líquido aquoso com substância oleosa, gordurosa, cerosa ou resinosa. As emulsões são misturas de dois ou mais líquidos imiscíveis onde um é denominado fase dispersante e o outro fase dispersa (que se encontra na forma de pequenas gotas)(...)Uma emulsão clássica é aquela na qual uma das fases é a água e a outra é um líquido oleoso.
Os aglutinantes e médiuns polímeres são tipos de emulsões: na emulsão acrílica os polímeros acrílicos são emulsionados com água). (http://pcserver.iqm.unicamp.br/~wloh/exp/exp2/exp2.htm)
[9]A caseína (do latim "caseus", queijo), por exemplo, é um aglutinante pouco elástico utilizado em têmperas. É uma proteína que existe no leite, muito uitilizada na produção de alimentos derivados dele e também para fazer colas e plásticos. Já a gema de ovo pode ser utilizada como aglutinante para a têmpera (têmpera a ovo), que torna a tinta mais elástica, menos quebradiça que a têmpera a caseína.
[10] Albumina: proteína que é coagulada pelo calor (quando o ovo é cozido, ele solidifica por causa da albumina). Essa propriedade é que faz que o veículo feito com a gema também se solidifique quando esta é diluída e espalhada em uma camada fina.
[11] Substância gordurosa que estabiliza a emulsão.
[12] óleo de linhaça polimerizado ou óleo stand: estado condensado ou polimerizado do óleo de linhaça ("stand oil" ou "polymerized oil"). Para tornar-se um stand oil, o óleo de linhaça passa por um processo onde sofre aquecimento do óleo a 280-310 ºC ao abrigo do ar, o que favorece a polimerização sem provocar o aparecimento das cetonas insaturadas. Durante o processo de secagem absorve menos oxigénio do que o óleo natural. A menor quantidade de oxigénio que fica a fazer parte da estrutura polimérica deve ser responsável pela maior longevidade do filme formado. Durante a secagem, o aumento de volume é menor, o que diminui a tendência a estalar e se rachar. (http://ciarte.no.sapo.pt/material/ligantes/oleo.htm)
[13] MAYER, Ralph. Manual do Artista. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p 298